domingo, 15 de janeiro de 2017

A História da Educação Física: Primeiras aproximações


Ao longo da história, o corpo não era a preocupação central da Educação escolar. Nessa perspectiva, o corpo foi sempre considerado o lado selvagem, em oposição ao civilizado; o primitivo, em relação ao educado. De forma que o corpo seria um empecilho para o progresso cultural e intelectual.
Contrariando essa percepção, Faria Filho (1997) afirma que a escola desde a sua institucionalização - que, no Brasil, ocorreu em meados do século XIX, com o advento da Primeira República - teve sempre muito interesse pelo corpo de seus alunos. Contudo, esta preocupação sempre foi um mecanismo de coerção para atender a um dado momento histórico, cultural e política. Pois, “assim como a escola ‘escolarizou’ conhecimentos e práticas sociais, buscou também, apropriar-se de diversas formas do corpo e constituir uma corporeidade que lhe fosse mais adequada” (FARIA FILHO, 1997, p. 52).
O sociólogo Foucault investigou, por sua vez, os mecanismos de controle social em seu livro “Vigiar e Punir” (1989) os quais foram adotados nos séculos XVIII e XIX, na Europa, e conclui que a escola – assim como a penitenciária, a fábrica e o quartel – se encarregou de disciplinar e tornar os corpos mais dóceis, por meio de inúmeras estratégias, dentre as quais o uso de punição corporal.
No final do século XVII, a maneira opressora de educar os corpos das crianças pode ser constatada a partir de uma propaganda divulgada em cartazes espalhados pela cidade de Paris:

Máquina a vapor para a rápida correção das meninas e dos meninos, Avisamos aos pais e mães, tios, tias, tutores, tutoras, diretores e diretoras de internatos e, de modo geral, todas as pessoas que tenham crianças preguiçosas, gulosas, indóceis, desobedientes, briguentas, mexeriqueiras, faladoras, sem religião ou que tenham qualquer outro defeito, que o Senhor Bicho-Papão e a Senhora Tralha-Velha acabaram de colocar em cada distrito da cidade de Paris uma máquina [...] e recebem diariamente em seus estabelecimentos, de meio-dia às duas horas, crianças que precisam ser corrigidas. [...] Aceitam-se como internas crianças incorrigíveis, que são alimentadas a pão e água (FOUCAULT, 1989, p.30-31)

Atualmente, esta forma de educar é inconcebível, no entanto, naquela época, fazia parte dos interesses sociais e políticos para que se produzisse um corpo “civilizado”, “higienizado”, que atendesse o lema político, de modo a construir uma Nação e um estado próspero.
Mas é possível que algumas maneiras mais sutis de controle ainda sejam utilizadas nas escolas até hoje. Exemplos disso estão nos modelos arquitetônicos dos prédios escolares, na organização das carteiras em sala de aula, nas filas de meninos e meninas, nos ritos, na distribuição do tempo, no uso do uniforme, nos livros didáticos, nas chamadas, na exigência do silêncio, no sinal, no tom de voz dos professores, entre tantos outros exemplos que qualquer professor presencia diariamente nas escolas que trabalha.
Como o ser humano é cultural e histórico, tais valores foram se transformando com o passar do tempo. Mas, muitos ainda existem e são paradigmas difíceis de serem quebrados. A educação do corpo, na escola, sempre foi de cunho disciplinar e chegou a seguir os modelos militares. No entanto, a opressão, ainda é encontrada na prática de muitos professores, porém de forma velada e sutil.
O tratamento do corpo veio se adaptando, no decorrer do tempo, através da Educação Física e esta recebeu diversos formatos. Na década de 20, com a Escola Nova e sua pedagogia ativa, centrou a criança e seus valores nas condições sociais modernas através da ideia de que o aluno pudesse construir o seu próprio saber a partir da observação e experimentação.
Ainda nesta perspectiva, a Educação Física também veio para servir de ferramenta para o preparo do corpo para o trabalho.  Para desenvolver o espírito coletivo, a observação, a vista, a memória, a destreza e a habilidade necessários no trabalhador, o jogo passou a fazer parte dos conteúdos. Pois, esta é a prática da vida moderna e a proposta educativa deveria ser fundada nos valores da sociedade da época.
De certa forma, alguns hábitos se fazem necessários, desde que sejam esclarecidos, combinados, explicados e discutidos democraticamente entre os envolvidos, de modo que cada um compreenda a necessidade de determinada regra e sua importância para a manutenção da ordem e da justiça entre os seus semelhantes. Desta forma, todos terão o direito de refletir sobre o que é uma situação opressora e se comportar criticamente diante de seus direitos e deveres de cidadão político. Cabendo a cada um tanto aceitar o conhecimento imposto e reproduzi-lo como contestá-lo, por meio de diferentes táticas.

Referências:
FARIA FILHO, L. M. de. História da escola primária e da Educação Física no Brasil: alguns apontamentos, In: SOUSA E. S. & VAGO, T. M. (Org.) Trilhas e Partilhas. Belo Horizonte: Cultura, 1997.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1989.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Nem sempre Gabriela


Meus pais se casaram muito jovens e me tiveram logo que casaram. Não me lembro de muita coisa, mas, pelo que me contam, eu fui uma sobrevivente desta união que durou 30 anos. Tenho mais duas irmãs e sempre cuidei delas, em especial da mais nova, que era minha boneca de verdade.
Passamos algumas dificuldades financeiras, mas meus pais sempre trabalharam muito para sobrevivermos. Lembro-me muito da presença dos meus avós maternos e da minha tia Rosa, irmã do meu pai, que também é a minha madrinha. Estas figuras foram muito importantes na minha infância. Recordo-me também da engraçada Dona Neide, da sua filha Tataca e das férias na fazenda do meu avô. Lá que eu passava grande parte do meu tempo livre, misturada à molecada, sempre na sombra das mangueiras e de uma figueira, a qual, até hoje, ainda embeleza aquele lugar.
Outro ambiente que fez parte da minha infância foi a escola “A Sementinha”, que minha mãe era uma das proprietárias. Presenciei, de perto, cada passo profissional dela, por isso, ela é o meu maior exemplo de mãe, mulher e profissional. Ela foi minha professora. Uma professora muito enérgica que, no primeiro dia de aula, mandou que não a chamasse de mãe lá na escola, na frente dos coleguinhas de classe, mas que a chamasse de tia Gleiva. Fiquei meio intrigada com aquilo, confesso. No entanto, logo acostumei com a ideia e, hoje, entendo, o que na época, foi difícil de entender: não podia aproveitar da situação só porque a mãe era dona da escola e ponto. Grande lição!
Eu e a minha mãe sempre éramos a primeira a chegar e a última a sair da escola e, acostumada com aquela rotineira realidade, brincava sozinha ou com os filhos de uma das sócias dela, enquanto aconteciam as reuniões entre as professoras. Aquela escola era nossa, fazíamos o que queríamos. Brincávamos nas salas de aula, no parquinho e bebíamos todas as garrafinhas de guaraná Arco-íris - aquela de vidro verde- do barzinho da escola e, como não sabia usar o abridor, furava a tampa de metal com a faca e ainda dava uma torcidinha que era pra aumentar o furinho.
Havia outros professores tão bons quanto minha mãe e todas as atividades eram muito bem planejadas, pois se tratava de uma escola particular e ali estudavam alunos da classe alta da cidade e, mesmo com pouca grana, tive o privilégio de estudar nas melhores escolas da cidade.
Lembro-me dos desfiles cívicos e apresentações culturais e... lá estava a Gabriela, sempre no papel principal: Dançava, atuava, pousava e crescia... Crescia nesta “folia” de escola ser lazer. Sempre tive a escola como minha segunda casa, porque, em casa mesmo, só ia pra tomar banho, porque almoçava e jantava na casa do vovô Zé, que me tratava por “princesona do vovô”. No entanto, disputando a moela do frango com o meu tio Marcelo, passava meu tempo mexendo nas roupas e nas maquiagens da minha tia Gisele ou recebendo bons exemplos culturais do meu tio Marco Aurélio, o meu ídolo número 1.
Grandes foram as lições durante a minha infância, meu pai sempre foi aquele que “quebrava o climão” da realidade com o seu modo alegre de viver, rindo e fazendo piada das situações mais conflitantes. Ele foi e sempre será a minha válvula de escape, foi o meu pai que sempre me mostrou como enxergar a parte otimista das coisas e, no final, este meu herói às avessas, sempre conseguiu se sair “na moralzinha” de todos os conflitos.
Minha família sempre foi unida e autêntica. Somos genuínos, vivemos de verdade e de forma intensa, aprendi que somos uns pelos outros até o fim.
 Hoje, aqui estou, colhendo alguns louros desta história de vida que me orgulho em contar. Sou professora, filha, mãe, esposa, amiga, irmã, sobrinha, nora, estudante... Porém, ainda que a minha essência seja única, nunca serei a mesma Gabriela, procuro ser melhor a cada dia.