Ao
longo da história, o corpo não era a preocupação central da Educação escolar.
Nessa perspectiva, o corpo foi sempre considerado o lado selvagem, em oposição
ao civilizado; o primitivo, em relação ao educado. De forma que o corpo seria
um empecilho para o progresso cultural e intelectual.
Contrariando
essa percepção, Faria Filho (1997) afirma que a escola desde a sua
institucionalização - que, no Brasil, ocorreu em meados do século XIX, com o
advento da Primeira República - teve sempre muito interesse pelo corpo de seus
alunos. Contudo, esta preocupação sempre foi um mecanismo de coerção para
atender a um dado momento histórico, cultural e política. Pois, “assim como a
escola ‘escolarizou’ conhecimentos e práticas sociais, buscou também,
apropriar-se de diversas formas do corpo e constituir uma corporeidade que lhe
fosse mais adequada” (FARIA FILHO, 1997, p. 52).
O
sociólogo Foucault investigou, por sua vez, os mecanismos de controle social em
seu livro “Vigiar e Punir” (1989) os quais foram adotados nos séculos XVIII e
XIX, na Europa, e conclui que a escola – assim como a penitenciária, a fábrica
e o quartel – se encarregou de disciplinar e tornar os corpos mais dóceis, por
meio de inúmeras estratégias, dentre as quais o uso de punição corporal.
No
final do século XVII, a maneira opressora de educar os corpos das crianças pode
ser constatada a partir de uma propaganda divulgada em cartazes espalhados pela
cidade de Paris:
Máquina a vapor
para a rápida correção das meninas e dos meninos, Avisamos aos pais e mães,
tios, tias, tutores, tutoras, diretores e diretoras de internatos e, de modo
geral, todas as pessoas que tenham crianças preguiçosas, gulosas, indóceis,
desobedientes, briguentas, mexeriqueiras, faladoras, sem religião ou que tenham
qualquer outro defeito, que o Senhor Bicho-Papão e a Senhora Tralha-Velha
acabaram de colocar em cada distrito da cidade de Paris uma máquina [...] e
recebem diariamente em seus estabelecimentos, de meio-dia às duas horas,
crianças que precisam ser corrigidas. [...] Aceitam-se como internas crianças
incorrigíveis, que são alimentadas a pão e água (FOUCAULT, 1989, p.30-31)
Atualmente,
esta forma de educar é inconcebível, no entanto, naquela época, fazia parte dos
interesses sociais e políticos para que se produzisse um corpo “civilizado”, “higienizado”,
que atendesse o lema político, de modo a construir uma Nação e um estado
próspero.
Mas
é possível que algumas maneiras mais sutis de controle ainda sejam utilizadas
nas escolas até hoje. Exemplos disso estão nos modelos arquitetônicos dos
prédios escolares, na organização das carteiras em sala de aula, nas filas de
meninos e meninas, nos ritos, na distribuição do tempo, no uso do uniforme, nos
livros didáticos, nas chamadas, na exigência do silêncio, no sinal, no tom de
voz dos professores, entre tantos outros exemplos que qualquer professor
presencia diariamente nas escolas que trabalha.
Como
o ser humano é cultural e histórico, tais valores foram se transformando com o
passar do tempo. Mas, muitos ainda existem e são paradigmas difíceis de serem quebrados.
A educação do corpo, na escola, sempre foi de cunho disciplinar e chegou a
seguir os modelos militares. No entanto, a opressão, ainda é encontrada na
prática de muitos professores, porém de forma velada e sutil.
O
tratamento do corpo veio se adaptando, no decorrer do tempo, através da Educação
Física e esta recebeu diversos formatos. Na década de 20, com a Escola Nova e
sua pedagogia ativa, centrou a criança e seus valores nas condições sociais
modernas através da ideia de que o aluno pudesse construir o seu próprio saber
a partir da observação e experimentação.
Ainda
nesta perspectiva, a Educação Física também veio para servir de ferramenta para
o preparo do corpo para o trabalho. Para
desenvolver o espírito coletivo, a observação, a vista, a memória, a destreza e
a habilidade necessários no trabalhador, o jogo passou a fazer parte dos
conteúdos. Pois, esta é a prática da vida moderna e a proposta educativa
deveria ser fundada nos valores da sociedade da época.
De
certa forma, alguns hábitos se fazem necessários, desde que sejam esclarecidos,
combinados, explicados e discutidos democraticamente entre os envolvidos, de
modo que cada um compreenda a necessidade de determinada regra e sua
importância para a manutenção da ordem e da justiça entre os seus semelhantes.
Desta forma, todos terão o direito de refletir sobre o que é uma situação
opressora e se comportar criticamente diante de seus direitos e deveres de
cidadão político. Cabendo a cada um tanto aceitar o conhecimento imposto e
reproduzi-lo como contestá-lo, por meio de diferentes táticas.
Referências:
FARIA FILHO, L.
M. de. História da escola primária e da Educação Física no Brasil: alguns
apontamentos, In: SOUSA E. S. & VAGO, T. M. (Org.) Trilhas e Partilhas. Belo Horizonte: Cultura, 1997.
FOUCAULT,
M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes,
1989.
Nenhum comentário:
Postar um comentário