A ÁRVORE DE CABEÇA PARA BAIXO
(Uma história da Costa do Marfim)
Nos primórdio da vida, o Criador fez surgir tudo no mundo. Ele criou primeiro o baobá, e só depois continuou a fazer tudo existir.
Mas ao lado do baobá havia um charco. O Criador havia plantado o primogênito bem perto de sua região alagadiça. Sem vento, a superfície daquelas águas ficava lisa como um espelho. O baobá se olhava, então, naquele espelho d’água. Ele se olhava, se olhava e dizia insatisfeito:
― Por que não sou como aquela outra árvore?
Ora achava que poderia ter os cabelos mais floridos, as folhas, talvez, um pouco maiores.
O baobá resolveu, então, se queixar ao Criador, que escutou por uma, duas horas as reclamações. Entre uma queixa e outra, o Criador comentava:
― Você é uma árvore bonita. Eu gosto muito de você. Me deixe ir, pois preciso continuar o meu trabalho.
Mas o baobá mostrava outra planta e perguntava: Por que suas flores não eram assim tão cheirosas? E sua casca? Parecia mais a pele enrugada de uma tartaruga. E o Criador insistia:
― Me deixe ir, você para mim é perfeito. Foi o primeiro a ser criado e por isso, tem o que há de melhor em toda a criação.
Mas o baobá implorava:
― Me melhore aqui, e um pouco mais ali...
O Criador, que precisava fazer os homens e os outros seres da África, saía andando. E baobá o seguia onde quer que ele fosse. Andava pra lá e pra cá. (E é por isso que essa árvore existe por toda a África.)
O baobá não deixava o Criador dormir. Continuava e continuava, e continuava sempre a implorar melhorias.
Justo a árvore que o Criador achava maravilhosa, pois não era parecida com nenhuma outra, nunca ficava satisfeita! Até que, um dia, o Criador foi ficando irritado, irritado, mas muito irritado, pois não tinha mais tempo pra nada. Ficou irado mesmo. E aí então virou para o baobá e disse:
― Não me amole mais! Não encha mais a minha paciência. Pare de dizer que na sua vida falta isso e aquilo. E cale-se agora.
Foi então que o Criador agarrou o baobá, arrancou-o do chão e o plantou novamente. Só que... dessa vez, foi de ponta-cabeça, para que ele ficasse de boca calada.
Isso explica sua aparência estranha; é como se as raízes ficassem em cima, na copa. Parece uma árvore virada de ponta-cabeça!
Até hoje dizem que os galhos do baobá, voltados para o alto, parecem braços que continuam a se queixar e a implorar melhorias para o Criador. E o Criador, ao olhar para o baobá, enxerga a África.
(São Paulo: Salamandra, 2005. P. 14-17.)